Paulo Roberto Bertaglia
INTRODUÇÃO
Em uma recente mentoria organizacional que realizei fui questionado sobre os impactos do famoso RECALL nas organizações e principalmente na cadeia de abastecimento (Supply Chain). É um tema bastante importante e entendi que seria relevante transformar aquela nossa conversa em um artigo visando compartilhar as ideias.
O “recall” de um produto é o processo de recuperar e substituir bens de consumo defeituosos ou inseguros. Quando uma empresa emite um “recall”, a mesma deve absorver o custo de substituição e reparo desses produtos defeituosos ou inseguros. Os famosos “recalls” criam tensão e ruptura na cadeia de abastecimento e testam as relações de consumo, afetam as vendas, e podem impactar negativamente a reputação de uma marca. O termo nasceu nos EUA na década de 60 em um processo envolvendo a indústria automotiva.
OS RISCOS ENVOLVIDOS E A RUPTURA NA CADEIA
A ruptura da cadeia de valor, provocada por um “recall” de produtos, é a ameaça mais rápida e crescente nos dias atuais pois o aumento da complexidade da cadeia de abastecimento é uma tendência, deixando as organizações vulneráveis a conflitos ou desastres. Nenhuma empresa ou produto está livre de um “recall”. Eles podem ocorrer no mundo todo afetando e trazendo inúmeros problemas para os fabricantes, distribuidores e varejistas. Independentemente dos seus tamanhos.
Existem inúmeros casos divulgados de “recall” envolvendo grandes empresas globais. Muitos deles merecem destaque pois abriram os olhos dos consumidores, e expuseram as cadeias abastecimento a potenciais ameaças, demandando uma maior a importância no monitoramento de processos. Estamos falando de “recalls” ocorridos nas indústrias automotiva, eletrônica, alimentícia e médica, entre outras. De acordo com a instituição americana Food Marketing Institute e da Grocery Manufacturers’ Association, o custo médio de um recall para uma empresa de alimentos é de US $10M em custos diretos, sem considerar os danos que se impõe à marca e vendas perdidas.
A amplitude de produtos vai desde hortaliças ou legumes, passando por airbags, antibióticos, pneus, chicotes de automóveis, celulares e comida de cachorro. Quase todas as indústrias enfrentam o risco do “recall” e é um tema que está na mídia diariamente e pode ser catastrófico afetando não só o lado financeiro mas também vidas humanas.
Por curiosidade, fiz uma pesquisa sobre os principais recalls ocorridos até hoje e encontrei um estudo de Kiplinger (veja bibliografia) que avaliou o custo dos dez principais “recalls” ocorridos até hoje os quais chegam ao montante de mais de US$ 73 bilhões de dólares. Curiosamente aquele que ocupa a décima posição é o Tylenol, conhecido remédio, cujo “recall” ocorreu em 1982 tendo um custo de US$ 100 milhões. Na época o produto foi responsabilizado por causar morte a sete pessoas. Em 2004 houve um recall do Vioxx da Merck que segundo instituições americanas podia causar ataques cardíacos. O recall do produto custou à empresa cerca de US$ 9 bilhões. No setor eletrônico, em 2016, a Samsung se viu em problemas com o seu Galaxy 7 o que lhe causou um custo de US$ 5.3 bilhões devido ao superaquecimento da bateria do smartphone. Muitas empresas principalmente do segmento automotivo se veem às voltas com problemas de “recall”. Contudo um dos mais caros até o momento é o da Takata airbags cujo custo até aqui está ao redor de US$ 24 bilhões devido ao mal funcionamento de airbags instalados em mais de 50 milhões de veículos desde 2002. Globalmente 23 pessoas morreram e 300 ficaram feridas devido ao problema.
UM BAITA PROBLEMA
Quando nós imaginamos o “recall”, nós pensamos que ele está com os consumidores ou no último ponto antes de atingir o consumidor final. Mas na verdade tais produtos podem estar em qualquer posição, ou qualquer local ao longo da cadeia, como um componente ou insumo. E é isso que pode aumentar ainda mais a complexidade da cadeia e trazer maiores preocupações àqueles que administram a “supply chain”.
Alguns “recalls” são mandatórios por irregularidades em especificações e critérios estabelecidos por agências e institutos que cuidam do bem-estar de clientes e consumidores. Outros podem ser iniciativas voluntárias das empresas, mas que não irão necessariamente causar algum dano grave. De qualquer forma em ambos os casos custos adicionais serão impostos.
Normalmente as falhas dos produtos acontecem na fabricação, de longe o principal ponto de atenção ou na montagem do produto.
TODA A CADEIA É PENALIZADA
Quando um “recall” automotivo ocorre, por exemplo, ele coloca um ônus não apenas no fabricante e nas concessionárias, mas também nas empresas que comercializam as autopeças. Há a necessidade de identificar os clientes que compraram ou trocaram suas peças e posteriormente absorver os custos de identificação, armazenagem, transporte, sociais, meio ambiente, seguros, entre outros. Toda a cadeia é penalizada.
O ônus e o custo da ruptura inesperada que acontece na cadeia não afeta apenas as empresas fabricantes, mas tudo o que acontece dali para frente. Costumo dizer que a água que está poluída no início do rio vai contaminar todo o resto dali para frente”. Portanto toda a rede ou cadeia de valor é afetada.
RISCOS E SOLUÇÕES
Os riscos são enormes e investir e projetos de rastreabilidade é fundamental para acelerar a identificação dos produtos frutos do recall, quer seja a localização interna ou externa e os elementos de origem. Sem isso como identificar? Na indústria de alimentos e nas farmacêuticas é fundamental. Vidas podem estar em jogo!
Por isso acredito fortemente na tecnologia, seja Internet das coisas, Mundo 4.0. ou o nome que se queira dar à conectividade e sensoriamento onde é possível localizar o produto e monitorar suas características físicas como por exemplo a temperatura.
Tenho conversado com vários colegas de Supply Chain e as vezes pergunto se eles se concentram mais na prevenção ou na cura da doença. Quanto eles se relacionam e conhecem os fornecedores? Verifiquem o quanto eles são certificados, asseguram a qualidade e seguem os padrões de segurança.
A documentação é essencial. É necessário ordem de compra e informações do fornecedor, códigos e números de lote e que estejam em uma plataforma consolidada. Dados estes que permitem obter as informações quando forem necessárias.
CONCLUSÃO
Importante: mesmo investindo todos os esforços pode ser que o “recall” venha a acontecer. Faz parte do negócio. Contudo, é fundamental ter atuado na cadeia para evitar transtornos. Minhas dicas rápidas, para aqueles que infelizmente se deparam com este problema seriam ter inicialmente um plano de atuação onde conste principalmente procedimentos de notificação de clientes e um processo para destruição ou devolução do produto. Em seguida atuar na produção, seja substituindo ferramentas, máquinas, componentes ou ingredientes para evitar que problemas adicionais venham a ocorrer. Avaliar os estoques e possíveis pedidos em fornecedores. Seja extremamente diligente e muito cuidado para não ser envolvido pelos aspectos operacionais do dia e que não lhe permitem ter a visão do todo e a perspicácia de que a cadeia de valor possui suas complexidades e está repleta de armadilhas e problemas. E muitas vezes para resolvê-los é mais interessante não se jogar de cabeça, mas coerentemente raciocinar.
Que a força esteja contigo.
BIBLIOGRAFIA
BERTAGLIA, Paulo Roberto. Logística e gerenciamento da cadeia de abastecimento. 3. Ed. São Paulo Saraiva, 2016.
KIPLINGER Company